domingo, 1 de fevereiro de 2009

No filme, Harry e Sally* cantavam distraídos no karaokê de uma loja de departamentos, quando uma mulher se aproxima e, simpaticamente, apresenta ao ex seu novo marido. Ela cumprimenta o surpreso Harry, que tenta entabular um diálogo breve. Harry se atrapalha com as poucas palavras monossilábicas que usa. Ela finge que ficou feliz em revê-lo. Seu acompanhante finge não se importar com o encontro. Todos se despedem e Sally foi a única que, boquiaberta, não precisou de nenhum disface, já que nunca fez parte daquela relação.

Recentemente, eu presenciei a mesma cena, os mesmos sorrisos sociais, os mesmos cumprimentos superficiais, idênticas máscaras de civilidade e superação as quais os ex casais estão acostumados a vestir quando passam pelo infortúnio de se encontrar. E, boquiaberta, não precisei de nenhum disface, já que nunca fiz parte daquela relação.

Definitivamente eu não acredito que possa existir diálogo, boas maneiras, civilidade, quiçá amizade entre dois ex amantes. A paixão é orgulhosa, possessiva e colérica. O amor não sabe perdoar. É sensível, suas mágoas viram cicatrizes eternas. Para mim, duas pessoas que dividiram corpos e almas não são capazes de voltar no tempo em que sequer se conheciam.

Certa vez um amigo me disse que quando dois escritores escrevem sobre o mesmo assunto, frequentemente um se torna desnecessário. Concordei com ele, pois apesar de acreditar na democracia da escrita e nas variações sobre o mesmo tema, sinto-me incapaz de expressar minha opinião sobre relacionamentos entre ex companheiros com mais propriedade do que Sándor Márai fez. Eu também me considerava exclusiva e diferenciada da humanidade, até abrir um livro e descobrir que nunca houve alguém mais previsível do que eu, já que meu pensamento foi precisamente descrito por um húngaro há mais de 60 anos.

Faço minhas as palavras de Márai:

"Não gosto das separações afetadas, em que os parceiros deixam o Fórum de braços dados, almoçam juntos no restaurante famoso do parque da cidade, são gentis e atencioso um com o outro, como se não tivesse acontecido nada e, depois da separação e do almoço, seguem, cada um o seu caminho. Sou uma mulher de princípios e de temperamento diferente. Não acredito que depois da separação as duas metades do casal possam continuar sendo boas amigas. Casamento é casamento, separação é separação, é assim que eu penso. (...) Acredito nisso porque sou mulher e para mim o divórcio não é apenas uma formalidade, como não é uma formalidade vazia o ritual no cartório diante do notário e na igreja, e sim uma união completa de corpos e almas, definitiva, ou em caso contrário, uma ruptura e uma separação completa de destinos."**

*do filme Harry e Sally - Feitos Um Para o Outro, 1989

** do livro De Verdade, 1941

13 comentários:

Gilberto da Costa Carvalho Valle disse...

Penso que a única coisa que ao menos deva existir entre dois "ex-amantes", é o respeito mútuo. Nada mais...concordo com você em todo resto. Sempre termina ficando alguma coisa pra alfinetar, pra gerar maus-sentimentos, e isso é péssimo!
Apenas respeite a pessoa.

Beijos Luanda.

Luanda Moura disse...

Respeite, de longe, esse é omeu lema.

=*

Anônimo disse...

Onde existiu um dia conjunção total de almas, a separação instala uma pequena morte. Morre um pouco de nós junto com o que éramos e com o que sentíamos; quando não a alma toda, viço e poesia.

O sol, contudo, persiste em raiar, insiste, perturba, nos toca, e por que não, vivifica.
Possuímos a dádiva de pintarmos com novas cores o desenho sombrio do passado, e fazermos uma criação-promessa de lapidar a nós mesmo, como a uma obra genuína, autêntica, única!

Eis que nos refazemos nessa ciranda intempestuosa e gratificante que é o existir, assim, alguns voltarão a vislumbrar aquele afeto passado em conformidade com a lei do amar, transformando seus modos e temperando com novas doses e equilíbrio à abertura ao outro. Tendo amado alguém que mereceu com profundidade a doação, fica, irremediavelmente, uma ternura indestrutível, mesmo com o término do antigo enlace. Assim penso.

Gosto de sua leitura, aliás, talvez mais da escrita do que da leitura, se é que podemos separar.

Fiquei encanto com seu apreço por Sándor Márai, como emblema meu de épocas longínquas, ele traduziu da seguinte forma:

“Sobreviver a uma pessoa que amamos tanto, a ponto de nos dispormos a matar por ela, à qual éramos tão ligados que por pouco não morremos, é um dos crimes mais misteriosos e inqualificáveis da vida”.

“As Brasas”

Luanda Moura disse...

Que bonito, amei, amei, amei!!

Obrigada, anônimo.

Érica disse...

Ow Lulu, pq você quer mais se apaixonar? Queira sim, é ruim mais é bom. É uma mal necessário.
Beijos

Anônimo disse...

"Definitivamente eu não acredito que possa existir diálogo, boas maneiras, civilidade, quiçá amizade entre dois ex amantes. A paixão é orgulhosa, possessiva e colérica. O amor não sabe perdoar".

Discordo totalmente. Claro que pode existir civilidade, diálogo e boas maneiras entre ex amantes. O que não precisa existir é amizade. O AMOR sabe perdoar. Qualquer outra coisa que dizem ser amor, não.

Artur Malheiros disse...

E eu e Saló? Explique!

Anônimo disse...

Falar de separações, cisões, afastamentos só me faz pensar que vivemos a época da incapacidade, principalmente da incapacidade de amar. Mesmo não sendo esta a temática do conto em questão.

O problema estaria em nossas mentes?
O 'pós-modernismo' atrofiou as artérias que fazem pulsar o coração?

Talvez, mais que tudo, o homem contemporâneo careça de amor; por isso a busca desenfreada por objetificar pessoas, tornando-as descartáveis e equiparando-as a apenas mais um utensílio material.

Desajustes, de inúmeras ordens. Cada época com seus sintomas, crises e vislumbres de pacificações. De modo retrógrado, a minha saída é a doação ao outro na medida da solidariedade e do respeito, não atravancar o caminho das paixões com resistências inúteis e bendizer aos céus por ser partícipe dessa existência em comum com tantos, tantos que me são tão caros.

E você?

Luanda Moura disse...

Na minha opinião as "artérias amorosas" estão atrofiadas, sim, mas não pelo pós-modernismo, pois esse mal que assola os corações e prejudica o amor vem se disseminando há séculos. Pensando bem, há milênios, já que por causa da incapacidade humana de amar o próximo e até mesmo receber o amor de Deus, Ele precisou enviar Jesus para ensinar sobre o amor. Há dois mil anos Jesus achava que a humanidade se encontrava à beira de um colapso, de tão árido que os corações estavam. Tempos depois, vai São Paulo complementar os ensinos de Cristo, gastando o seu latim e sua pena em cartas e mais cartas, onde ensinava às igrejas primitivas que "o amor é paciente, justo, benigno... etc etc etc". E no cordão vieram muitos dos Nobel da paz, Madre Tereza de Calcutá, Gandhi... "Cada época com seus sintomas, crises e vislumbres de pacificações", como você disse...



Amar, no sentido irrestrito da palavra, os homens nunca souberam e poucos tentaram, eu acredito. Mas a prática de ver o outro como objeto e não pessoa, concordo que é um fenômeno mais recente, contemporâneo. Será que veio da revolução industrial pra cá? Talvez. Nesse aspecto, não entenda o meu discurso como socialista, eu apenas acho que o sistema capitalista nasceu e foi se delineando na sociedade com naturalidade, e suas bases se encontram no sentimento que os homens têm um pelo outro: de dominação, exploração e objetificação, como você diz.



A solução, para mim, não é mudar à força o sistema econônomico, como intentou o socialismo. Tampouco leis são capazes de impor o amor ao próximo, como sugere a Declaração Universal do Homem e do Cidadão. A minha singela opinião pessoal é que só é capaz de dar quem um dia já recebeu, só é capaz de amar outrem quem experimentou do amor de Deus.



"A minha saída é a doação ao outro na medida da solidariedade e do respeito, não atravancar o caminho das paixões com resistências inúteis e bendizer aos céus por ser partícipe dessa existência em comum com tantos, tantos que me são tão caros". Concordo integralmente com a sua assertiva e faço minhas as suas palavras, que da tão bonitas soam até cristãs.



Beijos,

Luanda

[já que estamos falando de amor]

Anônimo disse...

Agora, uma brincadeira séria: qual o fenômeno mais raro da vida?

Anônimo disse...

lascou...qual a coisa mais rara da vida?
sei lá...que pergunta inútil. desculpa aí. :/

Luanda Moura disse...

Se é fenômeno, tem de ser raro, pois o que é corriqueiro não pode ser chamado de fenômeno. :P

Anônimo disse...

Segundo a fenomenologia(uma ramificação da filosofia), fenômeno é tudo aquilo que se mostra, que se deixa ver.
Diante disso, qualquer situação, coisa ou o que quer que seja que pode ser visto ou percebido, direta ou indiretamente, é manifestação de um fenômeno.
Assim, a pergunta permanece:
qual o fenômeno mais raro da vida [para você]?
Em forma de desejo ou fantasia.

p.s.: será que Raíssa arrisca?