sábado, 23 de agosto de 2008

Um Coelho na Cartola

[Ilustração de Millor Fernandes]

Eu não sei apreciar um filme. Na verdade, apenas há pouquíssimo tempo assistir um filme, para mim, deixou de ser uma tarefa penosa para se tornar, no máximo, agradável. Hoje eu até gosto de filmes, especialmente se o enredo tratar de jornalistas que trabalham em Nova York ou de pessoas que se apaixonam e se casam. Minha opinião sobre filmes restringe-se a avaliar a medida, maior ou menor, que me emocionei; sem considerar direção, fotografia, nada. Infelizmente, a minha capacidade crítica e avaliativa pára por aí. Perdoem-me, amantes da sétima arte.

Ontem eu li o primeiro capítulo do novo livro de Paulo Coelho, O Vencedor Está Só, depois do espanto acidental que causei em um grande amigo, quando disse que li apenas um parágrafo de outro livro do mesmo autor. E não achei de todo ruim.

Quando li, entendi porque ele é o mais vendido em todo mundo. Coelho é superficial e seu texto tem a profundidade de um pires. Mas nem todos são iniciados na leitura a ponto de saborear um Sándor Márai: preciso, perspicaz, inquietante. Um livro, para mim, só é bom se, além de ter qualidade literária, me tirar do lugar de onde estou e me deixar à deriva, desnorteada. Depois, juntando as peças da leitura e somando com minhas próprias experiências, aí sim, eu me situo em outro lugar.

Depois que entendi que é possível ter sensibilidade para apreciar uma obra literária e, ao mesmo tempo, ser completamente ignorante em matéria cinematográfica, perdoei os leitores de Paulo Coelho. Pensei na minha infeliz e absoluta falta de interesse em aprender sobre aquele tipo de arte, que também engrandece a alma.

Sempre achei um parágrafo de leitura o suficiente para se ter uma boa idéia do valor de uma obra. Depois que o perplexo amigo discordou de mim, li este capítulo inicial de “O vencedor” e minha opinião não mudou a respeito da qualidade do autor nem sobre a quantidade de letras necessárias para se conquistar um leitor. Um trecho de Don Casmurro, inserido numa gramática escolar, que pedia dele uma análise sintática, foi o suficiente para me hipnotizar; aos doze anos me levou ao livro inteiro, depois à obra completa de Machado de Assis. Um prefácio apaixonado de Sándor Márai, em um livro de outro autor húngaro, levou meu pai ao primeiro, e depois, a todos os livros de Márai, um escritor digno do ofício.

" O homem era um escritor, um escritor que não queria mais escrever, porque não acreditava que a palavra escrita pudesse modificar a natureza humana. Não era revolucionário, não queria transformar o mundo, porque não acreditava que a revolução pudesse modificar a natureza humana. Uma vez disse de passagem que não valia a pena modificar sistemas enquanto as pessoas, na nova ordem, permanecessem as mesmas de antes. Ele queria outra coisa. Queria modificar a si próprio."
[trecho do livro DE VERDADE, de Sándor Márai]

Senhor, perdoai as minhas ofensas à dramaturgia assim como eu perdôo quem tem ofendido a literatura. Não nos deixe cair na tentação da superficialidade, mas livra-nos de todo o mal. Amém.

12 comentários:

Anônimo disse...

Querida Lu,

Não há como escrever sem se expor, embora haja quem tente fazê-lo.
Ou o que é mais comum, em sentido contrário - fazer da escrita um culto ou apologia de si mesmo. Neste caso, o Ego do escritor extrapola os limites do espaço do texto e chega a tocar nas bordas do céu.

Mas quando nos deparamos com essa forma de comprometimento com a escrita, logo nos damos conta do quanto ela se revela inautêntica. Glorificar a si próprio é tão triste quanto escrever com o propósito de exaltar ou bajular o leitor.

Por que estou dizendo essas coisas? Porque percebo no seu texto o sinete da autenticidade.

E esta é a qualidade, independentemente de qual seja o estilo empregado, que eu mais admiro em quem se propõe a escrever.

A autenticidade exige o desnudamento de si; o que significa a abertura de janelas para o outro: e não o enclausurar-se em empáfias.

Por fim, uma breve correção. O que me levou a leitura da obra de Sándor Márai não foi o prefácio, mas o apêndice que eu li, escrito por ele, para um livro de Krúdy ("O Companheiro de viagem").

Beijos, do seu pai.

Anônimo disse...

Vou fazer algumas observações:

1 - "Coelho é superficial e seu texto tem a profundidade de um pires".

Concordo completamente. Porém, quando mais nova li “Valquíria decide morrer” e lembro-me de ter gostado muito. Não sei se pela inocência da idade, não sei se por ainda não ter um repertório vasto de livros bons, mas o fato é que gostei. Pode ser incrível se analisarmos que o livro é de Paulo Coelho, mas achei o final surpreendente. Talvez se eu o lesse hoje não veria com esses olhos... acho que vou fazer o teste.

2 – “Um livro, para mim, só é bom se, além de ter qualidade literária, me tirar do lugar de onde estou e me deixar à deriva, desnorteada”

Lhu, terminei de ler agora “O tempo e o Vento – Erico Veríssimo”, impressionante como viajei com o livro, parecia que tinha vivido aquilo, parecia que estava lá. Maravilhoso. Indico!
3 - Sempre achei um parágrafo de leitura o suficiente para se ter uma boa idéia do valor de uma obra.

Discordo.

Meu avô não parava de ler nem quando estava à mesa almoçando. Passou o vício de ler para a minha mãe, que passou o prazer pra mim. Então, não lembro de ter passado um tempo sequer da minha vida sem ter um livro ao lado para ler. E acredito que nem o primeiro capítulo, muito menos o primeiro parágrafo servem de parâmetro para avaliar uma obra.

4 – Teus posts são ótimos. Beijos

Anônimo disse...

hã?
gostei..
é mesmo..
concordo!

aews

Érica disse...

Lu, concordo completamente com você. Acho Paulo Coelho muito fraco em suas escritas, repetitivo e nada incisivo. Nunca me agradei dele, já tentei ler "O diário de um Mago" e Maktub", desisti ainda nas orelhas. hehehe....
Acabei de ler, novamente, o livro "Estorvo" de Chico Buarque,já havia lido, mas não agora eu queria entender, o que não havia ocorrido ateriormente, me agradei um pouco, mas não o suficiente. Sinto falta de bons autores e boas histórias.
Beijos Dona Lu.
:*********

Revoredo disse...

ola luuuuu, estou aq amiga, e tb to c saudades d vc...acho q vou criar um blog pra mim, mas vou bloqear alessandra. kkk
grande bj moça, xau

Unknown disse...

Irmã, concordo com você!

Muitos são os que escrevem, mas poucos são escritores. A junção de palavras em um papel não torna alguém digno desse ofício. O escritor tem alma própria, nos inquieta, trata de temas universais e atemporais como se soubesse de todos os segredos da existência. Ao escritor não falta poesia, seja qual for o seu estilo. Com letras ele desenha alegorias na nossa imaginação.

Acredito que uma boa obra é aquela nos tira do lugar em que nos encontramos, da nossa comodidade e mediocridade e nos lança para um mais além. Por isso, não podemos avaliar um livro pelo tanto que nos identificamos com ele, mas pelo o que ele acrescentou a nossa visão de mundo.

Escrever o que o leitor gostaria de ouvir, resultando em muitas identificações com o texto, ou atingir a massa com facilidade, são indícios de que as idéias empregadas são repletas de obviedades. O que nada nos acrescenta. Essa fórmula traz sucesso – como no caso de Paulo Coelho, mas não faz de ninguém um escritor.

Recentemente li Budapeste de Chico Buarque e esse livro muito me decepcionou. Nele falta poesia, as palavras são lançadas no texto sem o mínimo cuidado. Chico se esforça para causar tensão, suspense, um final “surpreendente”, talvez mirabolante. Uma boa obra não precisa disto. O verdadeiro escritor não fisga o leitor com subterfúgios, mas com sua escrita clara, bela, impactante. Não tenho como medir a admiração que tenho por este compositor, como músico e cantor. No entanto, me distanciando como fã de sua obra musical, me arrisco a afirmar que Chico não é escritor.

Assim, concordo plenamente quando você diz que um parágrafo é suficiente para se ter uma boa idéia do valor de uma obra. Obviamente não é o suficiente para avaliar o livro por inteiro (não vamos ser precipitados!), mas é o bastante para sabermos se estamos lendo alguém digno do ofício ou não. Com um parágrafo sabemos se a escrita é pobre ou sublime. Um excerto nos decepciona ou nos encanta ao ponto de nos levar a uma obra inteira.

Por fim, parabéns pelo seu desprendimento ao ter coragem de afirmar que não tem sensibilidade para apreciar todo tipo de arte. Eu concordo! Da mesma forma que nós não somos críticas da sétima arte e assistimos a uma grande quantidade de filmes, existem aqueles que lêem muito e não são bons leitores. Uma pessoa que passa o dia escutando música está necessariamente escutando boa música? Ou podemos afirmar que ela tem o espírito aguçado para esta arte? Creio que não! Vamos pedir perdão pela nossa superficialidade e hipocrisia também.

Esse foi um primor de texto! Você tem se revelado digna do ofício. Cultive seu espírito de artista.

Raíssa

Revoredo disse...

http://romulorevoredo.blogspot.com/

Ta ai lu meu blog...agora é sua vez de postar la ok. bjs

Revoredo disse...

ObrigadUUUUUUUUU lu, que bom, ver sua resposta no blog rsrsrsr...realmente eu escrevi aqilo a um certo tempo, depois eu irei colocar outras, blz.
bjs e xau moça.

Anônimo disse...

Querida Raíssa,

Parabéns pelo comentário feito, extremamente arguto e sensível. Subscrevo-o integralmente. Por sua vez, já há algum tempo, estou no aguardo de que você também se dedique a exercitar a arte da escrita imaginativa. Beijos,

Do seu pai.

Revoredo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

So uma coisa...

MINHA NOSSA!!!

os comentarios aki estao de super alto nivel 8a ressaltar Raissa!!) que chega me sinto intimada a escrever algo...

Atualiza este blog lu!

tah muito bom!!!!!

Beijos

Anônimo disse...

Que blog atualizado!!! Lhu, vê isso, tanta coisa tens pra dizer...
rsrs